terça-feira, 1 de julho de 2008

DESATANDO NÓS

A NINGUÉM CHAMEIS PAI (PADRE)

Por Bruce Sullivan

Tradução: Carlos Martins Nabeto

Fonte: http://www.prodigos.org/

No capítulo 23 do Evangelho de Mateus, encontramos o discurso de Nosso Senhor no qual ele adverte os escribas e fariseus por sua flagrante hipocrisia. Jesus começa sua crítica dos escribas e fariseus descrevendo como eles gostavam que o povo os respeitassem:
"Então falou Jesus à multidão, e aos seus discípulos, dizendo: Na cadeira de Moisés estão assentados os escribas e fariseus. Todas as coisas, pois, que vos disserem que observeis, observai-as e fazei-as; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não fazem; pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com o dedo querem movê-los; e fazem todas as obras a fim de serem vistos pelos homens; pois trazem largos filactérios, e alargam as franjas das suas vestes, e amam os primeiros lugares nas ceias e as primeiras cadeiras nas sinagogas, e as saudações nas praças, e o serem chamados pelos homens; Rabi, Rabi. Vós, porém, não queirais ser chamados Rabi, porque um só é o vosso Mestre, a saber, o Cristo, e todos vós sois irmãos. E a ninguém na terra chameis vosso pai, porque um só é o vosso Pai, o qual está nos céus. Nem vos chameis mestres, porque um só é o vosso Mestre, que é o Cristo. O maior dentre vós será vosso servo. E o que a si mesmo se exaltar será humilhado; e o que a si mesmo se humilhar será exaltado" (Mateus 23,1-12).[1]
Como eu fui um Fundamentalista, estou bem consciente da preocupação que existe nas mentes dos cristãos que não são católicos quando, no versículo 9, lêem que o Senhor diz aos judeus: "E a ninguém na terra chameis vosso pai". Para os cristãos não-católicos, esta advertência de Cristo parece constituir uma "prova" contrária à legitimidade da Igreja Católica (isto é, porque os católicos chamam seus sacerdotes de "padres", [que quer dizer "pais"]).
A pergunta que deve ser feita aqui é: o que quis dizer Nosso Senhor quando afirmou: "E a ninguém na terra chameis vosso pai"? Em outras palavras: sabemos o que ele disse, porém, precisamos discernir o significado do que Ele disse. Neste ponto, muitos certamente exclamarão (como eu mesmo já exclamei um dia): "Bom... Ele quis dizer o que disse e disse o que quis dizer!".
Esta atitude abertamente simplista esquece o fato de que houve momentos em que Nosso Senhor disse coisas que não deveriam ser interpretadas tão literalmente[2]. O problema, então, é ver se este caso em particular é um deles. O fato de que Nosso Senhor não quis que entendêssemos estas palavra em sentido mais estrito pode ser constatado pela maneira como a palavra "pai" é empregada nas Escrituras. A palavra "pai" é usada centenas de vezes na Bíblia.
Considerem-se estes exemplos significativos:

1. As palavras de Santo Estêvão no Sinédrio judaico: "E ele disse: Homens, irmãos, e pais, ouvi. O Deus da glória apareceu a nosso pai Abraão, estando na Mesopotâmia, antes de habitar em Harã" (Atos 7,2).[3]
2. A Carta de São Paulo aos Romanos: "Portanto, é pela fé, para que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja firme a toda a posteridade, não somente à que é da lei, mas também à que é da fé que teve Abraão, o qual é pai de todos nós" (Romanos 4,16).3.
As palavras de São Paulo aos judeus de Jerusalém: "Homens, irmãos e pais, ouvi agora a minha defesa perante vós" (Atos 22,1).4.
A descrição de São Paulo quanto à relação que possui com Timóteo, Tito e Onésimo: "A Timóteo meu verdadeiro filho na fé: Graça, misericórdia e paz da parte de Deus nosso Pai, e da de Cristo Jesus, nosso Senhor" (1Timóteo 1,2);
"A Tito, meu verdadeiro filho, segundo a fé comum: Graça, misericórdia, e paz da parte de Deus Pai, e da do Senhor Jesus Cristo, nosso Salvador" (Tito 1,4); "Peço-te por meu filho Onésimo, que gerei nas minhas prisões" (Filemon 1,10).5.
As palavras de São Paulo aos coríntios: "Não escrevo estas coisas para vos envergonhar; mas admoesto-vos como meus filhos amados. Porque ainda que tivésseis dez mil aios em Cristo, não teríeis, contudo, muitos pais; porque eu pelo evangelho vos gerei em Jesus Cristo" (1Coríntios 4,14-15).
Estes são apenas alguns exemplos - das centenas que existem nas Escrituras - que se referem a homens como pais. Note-se que estes versículos demonstram como é apropriado referir-se a certas pessoas como "pai", ainda que em sentido espiritual.
Considerando estes casos, o que quis dizer Nosso Senhor quando afirmou: "E a ninguém na terra chameis vosso pai"? A resposta encontra-se no contexto. O contexto da declaração de Nosso Senhor revela que o que ele estava considerando era a obsessão que os fariseus tinham pelo respeito humano. O versículo 12 deixa bem claro que o que Nosso Senhor quer é chamar os homens à humildade. A humildade - segundo Santa Teresa de Ávila - é a verdade. Humildade é nos contemplar como realmente somos, contemplar os outros como realmente são e contemplar a Deus na verdade.
Com relação a este tema que estamos abordando, a humildade é a verdade no tocante à paternidade. Essa verdade - a verdade acerca da paternidade - encontra-se expressa por Jesus no versículo 9 e é reiterada por São Paulo em sua carta aos efésios: "Por causa disto me ponho de joelhos perante o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, do qual toda a família nos céus e na terra toma o nome, para que, segundo as riquezas da sua glória, vos conceda que sejais corroborados com poder pelo seu Espírito no homem interior" (Efésios 3,14-16).
A verdade é simplesmente uma: que toda paternidade tem suas raízes em Deus Pai. A paternidade, seja espiritual ou física, é boa aos olhos de Deus quando é humildemente exercida em Seu Nome.
Os sacerdotes católicos, ao gerar e nutrir filhos espirituais pelo Evangelho, são, no mais profundo sentido da palavra, esses pais[4].
Portanto, é inteiramente apropriado que os mesmos sejam referidos dessa maneira. Usar as palavras de Nosso Senhor em Mateus 23,9 contra essa prática somente é possível se for ignorado o restante das Escrituras e o uso que dela fizeram os Apóstolos e toda a Igreja, como percebemos nos versículos que citamos.-----Notas:[1]
Todas as citações foram retiradas da Versão Almeida Corrigida e Fiel (1994).[2] Por exemplo: as ordens de Nosso Senhor para arrancarmos um olho ou cortarmos a mão que nos faz pecar (Mateus 5,29-30).
Nenhum cristão hoje diria que um homem tentado pelos desejos da carne deveria arrancar os olhos (para começar, a luxúria, como a grande maioria dos pecados, parte do coração e não é curada pela simples perda da visão). Da mesma forma, o ladrão que corta sua mão fora não irá, com isso, arrancar a avareza do seu coração. Em outras palavras: o Senhor usou palavras e imagens bem fortes (cujo sentido jamais pode ser seguido literalmente), para mostrar uma verdade profunda e essencial, a saber: que não devemos permitir que nada se interponha entre nós e a salvação da nossa alma.[3] Estêvão, o homem descrito como "cheio de fé e do Espírito Santo" (Atos 6,5), se refere aos líderes judaicos como "pais" e a Abraão como seu "pai" em comum. Aqui distigue entre aqueles que são seus pares ("irmãos") e aqueles que são líderes ("pais").[4]
N.doT.: O termo procede do latim "pater/patris", que significa "pai" e que, por sua vez, procede do grego "pathr/patros" ("patér/patrós"), que em português grafa-se como "padre". Trata-se de uma palavra mantida invariável por mais de três milênios.

Para citar este artigo:

SULLIVAN, Bruce. Apostolado Veritatis Splendor: A NINGUÉM CHAMEIS PAI (PADRE). Disponível em http://www.veritatis.com.br/article/5253. Desde 6/11/2008.

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